OS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AO SUICÍDIO POR INTERNAUTAS NO FACEBOOK

suicídio, saúde mental, psicologia

INTRODUÇÃO

Atualmente, o suicídio apresenta números alarmantes: cerca de 800.000 pessoas morrem por suicídio todos os anos, o que representa uma morte a cada 40 segundos.

No Brasil, são cerca de 6,4 mortes a cada 100 mil habitantes, com aumento de 10% nas taxas de suicídio entre 2011 e 2017. Em relação às regiões que registraram maior número de óbitos, a região Sudeste era o local de residência de 36,5% das vítimas, seguida pela região Nordeste com 25,3% do total de óbitos. 

O assunto configura-se como questão de saúde pública que requer intervenções em vários níveis de cuidado.

A combinação de diferentes tipos de medidas, como notificar adequadamente as tentativas, dificultar o alcance aos meios de suicídio, garantir o acesso ao tratamento psicológico contínuo, viabilizar e fortalecer o debate público responsável sobre o assunto, entre outros, pode reduzir os números de tentativas e óbitos por suicídio.

Quanto mais a sociedade puder discutir acerca da problemática, mais o acesso às práticas de prevenção poderá ser viabilizado. As tentativas de silenciamento do suicídio podem impedir que o tema seja amplamente debatido pelo meio social e deixe de ser visto como tabu. Tais práticas podem contribuir para a propagação de mitos e, inclusive, dificultar o seu reconhecimento social como questão de saúde pública. Portanto, é importante considerar a relevância dos veículos de comunicação em massa na elaboração e na propagação de significados associados ao tema.

Na internet, os conteúdos disponíveis sobre o suicídio parecem chegar de maneira rápida, seja informando acerca de práticas suicidas propriamente ditas, seja disponibilizando informações sobre formas de promoção da vida. Dessa forma, evidencia-se a importância dos estudos que buscam compreender quais significados sobre suicídio são produzidos nos espaços cibernéticos e o tipo de efeito que tais significados podem disparar na população.

Conhecer os significados que determinada população cria e reproduz sobre o suicídio pode oferecer alternativas de intervenção, considerando que esses significados orientam atitudes, comportamentos e práticas sociais do cotidiano. Portanto, estudar os significados atribuídos ao suicídio na internet é também construir um caminho de ação sobre eles. A seguir, serão apresentados os resultados de uma série de estudos que buscaram investigar os significados atribuídos ao suicídio, principalmente em comentários de notícias sobre suicídio divulgados por jornais na rede social Facebook, para compreender de que maneira o assunto tem sido tratado pela população.

RESULTADOS

Os primeiros resultados dizem respeito ao julgamento moral, geracional e religioso em relação às pessoas que tentam se suicidar. Na primeira rede de significados atribuídos ao suicídio pelos internautas, está retratado o julgamento moral e religioso em torno do suicídio. Há a teorização sobre o suicídio com base nas crenças cristãs, além da tentativa de aconselhar o indivíduo que pensa em suicídio a partir de práticas religiosas diversas. Alguns comentários utilizam as doutrinas religiosas para impor a condenação divina, defendendo a ideia de que não existiria redenção após a morte por suicídio. Neste aspecto, outros comentários também trazem a ideia de que somente Deus é capaz de redimir ou condenar este feito, não cabendo à sociedade realizar tal julgamento.

Em contrapartida ao entendimento do tema a partir do viés religioso e na tentativa de afastar o suicídio desta concepção, a segunda rede de significados aproxima o fenômeno do discurso médico-científico e tenta legitimar a depressão como patologia tratável estreitamente ligada ao fenômeno. Os comentários desta segunda rede de significados trazem o entendimento de que é necessário tratamento médico para quem sofre de depressão e de que esta seria uma das formas de prevenir mortes por suicídio. Esse discurso, portanto, visa diminuir a condenação social dos que apresentam ideação suicida, tendo em vista que a situação não estaria sob controle desses indivíduos por se tratar do resultado de uma patologia. Ainda na segunda rede de significados, os internautas também fazem uma crítica de que as pessoas, em geral, vêm perdendo a humanidade e estão deixando de se preocupar com as questões do próximo, ensinamentos que se configurariam como base das religiões.

Portanto, os internautas defendem a ideia de que é necessária a atenção com quem está ao seu redor.

DISCUSSÃO

Parte dos internautas entendem que as pessoas que tentam o suicídio são transgressoras, não dignas de compaixão e cuidado, ao mesmo tempo em que trazem o suicídio como pecado sem possibilidade de arrependimento ou absolvição divina. Tais estereótipos podem ser indicativos dos valores apreciados entre a população estudada. Em contrapartida, ainda em relação à religião, está a compreensão do suicídio como fenômeno que não deve ser julgado pelos homens, tendo em vista que a sua condenação ou absolvição é decisão que compete unicamente às entidades divinas. Essa segunda compreensão atrelada à religião, diferente da primeira, desempenha função de solidariedade por parte dos internautas.

A associação do suicídio com os transtornos mentais, principalmente com a depressão, é outra questão que se destaca. A imagem do suicídio como consequência do estado depressivo ancora-se nos conhecimentos científicos das ciências da saúde e nos seus sintomas clínicos. Tal concepção, em consonância com os achados da literatura, aparece como tentativa de sensibilizar e atenuar o julgamento condenatório do suicídio.

Essa dinâmica demonstra ambiguidades no campo de significados sobre o suicídio e orienta diferentes tomadas de posição por parte dos indivíduos, uma vez que quem tenta suicídio é visto ora como alguém que precisa de ajuda, ora como pecador que não é digno de solidariedade.

Os estereótipos negativos baseiam-se na esfera afetiva e estimulam a criação de preconceitos, que foram percebidos através do julgamento condenatório do suicídio.

CONCLUSÕES

Observou-se neste processo que o contexto digital funcionou como canal de expressão de afetos predominantemente negativos por parte dos internautas, suscitados pelo suicídio, fenômeno que não é tolerado pelo meio social em questão e que ocupa a posição social de tabu. A associação do tema com a religião pode ser marcada pelos sentimentos de repulsa ou de solidariedade, ao passo que a sua associação com os conhecimentos das ciências da saúde é marcada pela atenuação do julgamento de quem sofre e pela possibilidade do tratamento dos transtornos mentais relacionados com o comportamento suicida.

 

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REFERÊNCIAS:

LUCAS, Lorena Schettino; BONOMO, Mariana. “Suicídio?! E eu com isso?”: representações sociais de suicídio em diferentes contextos de saber. São Paulo: EDITORA DIALÉTICA, 2022.

LUCAS, Lorena Schettino; BONOMO, Mariana. Suicídio e suas ancoragens: um estudo com voluntários do Centro de Valorização da Vida. In: Representações Sociais na Contemporaneidade, Volume 4. Curitiba: EDITORA CRV. 2020. p.191-204.

LUCAS, Lorena Schettino; BONOMO, Mariana; FLAUZINO, Thaís Assis; ZAMBORLINI, Vanessa Valentim; FERREIRA, Bruna Amorim Matos. “Suicídio?! E Eu com Isso?”: Representações Sociais de Suicídio em Comentários de Usuários do Facebook. ESTUDOS E PESQUISAS EM PSICOLOGIA, v. 21, n. 1, p. 196-216. 2021.

 

Autoria:

LORENA SCHETTINO LUCAS – Professora de Psicologia na ETESES

Graduada, Mestra e Doutoranda em Psicologia no PPGP/UFES

E-mail: lorenaschettino@hotmail.com